A Alemanha dividida e reunificada, pela linguagem dos quadrinhos
Um dos mais festejados cartunistas contemporâneos, Flix mistura autobiografia, história, jornalismo e quadrinhos, um estilo em plena ascensão
Num domingo de 2006, o jornal berlinense Tagesspiegel publicou uma nova história de Felix Görmann, cartunista alemão mais conhecido internacionalmente como Flix. Sucesso não só em seu país de origem, mas em várias partes do mundo com suas séries autobiográficas, o artista desta vez aparecia sob a pele de um garoto de 8 anos, cheio de curiosidades, ilusões e impressões a respeito do cotidiano num país dividido por um muro. Eram as suas próprias lembranças da infância na Alemanha rachada pelo Muro de Berlim, transformadas em quadrinhos. A tirinha fez tanto sucesso que Flix logo começou a perguntar a amigos e parentes quais eram as suas recordações da RDA e da RFA, da democracia e da ditadura.
O livro Quando lá tinha o muro… Lembranças daqui e de lá reúne os quadrinhos criados a partir das mais de 30 entrevistas, são depoimentos capturados pelo traço despojado e pelo bom humor característico do cartunista alemão. Além disso, a publicação marca, enfim, a chegada ao Brasil da obra de Flix, um dos autores de quadrinhos mais festejados na Europa.
Como de praxe nas tirinhas do artista alemão, as lembranças reunidas no livro remontam a narrativas comuns, fragmentos do cotidiano tocados pelos radicalismos da grande História. Por isso mesmo seus cartoons são tão cativantes. As memórias que surgem no cenário da Alemanha dividida partem de impasses corriqueiros, de delicados e inventivos meandros da imaginação infantil ou juvenil. Será que, do outro lado, tanques de guerra de brinquedo são considerados perigosos? Do lado de lá nunca clareia de verdade, pois fábricas enormes escurecem o céu? O muro é como uma tábua? O outro lado é, de uma forma ou de outra, um mistério no limiar entre o divertido e o melancólico, entre o medo e o desejo, a curiosidade e a audácia.
Do outro lado vêm histórias proibidas do James Bond, vem o único bordão que o periquito conhece, vem uma paixão desconhecida e perdida e vêm os boatos de que, lá, as pessoas são todas teleguiadas. Mas vêm também fantasmas e traumas difíceis de esquecer, saudades e descobertas nem sempre felizes.
Com uma sinceridade comovente, Flix compõe em Quando tinha o muro… um mosaico de sensações sobre um período histórico tão marcante na História recente, conseguindo surpreender o leitor a cada tirinha. Descendente dos artistas franco-belgas e de suas histórias de teor universal, entre a elegância e a objetividade, Flix é um mestre dos traços simples e da narrativa curta. Um artista que tem ajudado, com sua despretensiosa genialidade, a aumentar o rol de quadrinistas a adotar, com sucesso, a autobiografia como mote para suas tirinhas.
Sobre o autor
Flix nasceu em 1976, na cidade alemã de Münster/Vestfália. Estudou design de comunicação em Saarbrücken e Barcelona e atualmente vive em Berlim. Vencedor de vários salões de humor, ficou conhecido por sua história em quadrinhos Heldentage (Diário* de*um*herói, em português), uma espécie de autobiografia. Com essa HQ, conquistou o prestigiado prêmio Max und Moritz de 2004, assim como os prêmios ICOMdIndependent Comic Prize, Award from the Newcomer Competition of the Art Directors’s Club Germany, Award from the LuckyStrike Junior Designer Award, First Swiss Cartoon Award, Award for “VerFLIXt “dcartoons. Publicou mais de 10 livros e seu trabalho já foi editado em línguas como espanhol, francês e coreano.